Depois de um tempo longe desta cidade retorno ao Norte, como é chamada nossa querida São José do Norte, que fica por sinal, no extremo sul do país …

Entro noutro tempo, noutro ritmo. Já no caminho tudo muda. A partir do Capivari um portal se abre numa estrada que quanto mais próximo de São José mais peculiar ela fica. Até no comportamento dos motoristas que podem parar em plena estrada ou sair de algum sítio em seu carrinho antigo tranquilamente, sem pressa, o que requer uma certa atenção de motoristas vindos de centros urbanos viciados em correria.

Desta vez eu e Renato nos ocupamos bastante com a Casinha da Lagoa, um refúgio, agora ao lado do barco. Um lugar para o pensamento, para observação, para o acolhimento, para a fresta, o espaço entre, tão desejado e necessário.

No trapiche sempre avistamos um vizinho chegando para saber das novidades e disposto a ajudar no que for necessário. Nada fica sem solução, algum jeito se dá …  atitude própria dos criativos e de pensamento livre.

A noite íamos para o Carnaval. São diversos blocos desfilando na rua, sendo o maior o Bloco da Proa com seus bonecos gigantes e um boi que se lança em direção às crianças numa brincadeira divertida. Foi meu terceiro carnaval no Norte. As senhoras continuam assistindo da  janela de suas casas com o apoio das almofadas para repousar os braços, casais levam suas cadeirinhas e se acomodam para a longa apresentação. Barraquinhas vendendo lanches e bebidas ficam a disposição durante toda a festa e até lojas de fantasias permanecem  abertas para os foliões atrasados na indumentária – nós por exemplo…

Mas desta vez me chocou o fato de que até São José do Norte está afetada pelo discurso de ódio e de desconfiança em relação ao outro, que impera no nosso país nesses tempos. Tradições seculares como o Dominó que consiste no folião totalmente oculto por uma fantasia e que provoca as pessoas à descobrirem a sua identidade, assim como as máscaras de carnaval, foram proibidas sob alegação de que perversos assassinos poderiam estar infiltrados e brincando no carnaval….. Mas o que mais me chocou foi o cordão que separa os blocos dos demais foliões que seguem atrás no cortejo. Nunca tinha visto este cordão ser conduzido por seguranças corpulentos e com cara de maus amigos como se todos ali fossem a princípio delinquentes. Havia uma tensão no ar … mas nem por isso  deixamos de nos divertir … não permitimos que nos afetassem … acho que esta é a melhor resposta que podemos dar.

Na volta para casa um pequeno desvio no caminho para entrar na Vila do Estreito. Um grande gramado, umas casas no entorno, uma igreja, o salão paroquial, a escola e, logo após a curva, o cemitério. Paz, pura paz. Apenas o som das crianças no recreio da aula. Ao longe um morador observa atentamente esta visitante estranha portando uma máquina fotográfica.

Soube

        que no Estreito

                              o Dominó ainda pode brincar o Carnaval….

Vila do Estreito

CARNAVAL

São José do Norte

2020